domingo, 31 de outubro de 2010

Adeus Bahia

Valença/BA
Meu dia começou bem cedo em Camamu. Tão logo tomei meu café, arrumei as coisas e fui embora. Pela estrada, pouca dificuldade e muitas pequenas vilas. Não me faltou água nem pontos de parada, o que tornou este dia particularmente tranquilo. Transpus Igrapiúna, Ituberá, Nilo Peçanha, Taperoá até alcançar Valença, onde pude repousar em uma pousada bem barata, mas muito boa.

Mais um dia, mais uma pedalada em ritmo forte. Queria logo chegar em Salvador e dar uma descansada. Desta vez não haviam tantos locais pelo caminho, passando unicamente pela cidade de Nazaré. Aliás, este dia foi bem cansativo, apenas sendo empurrado pela nuvens que davam sinal de uma forte chuva. Conforme a pedalada prosseguia, mais ventos e trovões e mais rápido avançava até a próxima localidade, mas não rápido suficiente. A chuva me alcansou e estava realmente forte. Meus últimos 15km de pedalada foram debaixo de água e muitos ventos até que cheguei em um pequeno vilarejo chamado Vera Cruz. Fui muito bem recebido no lugar com um bom jantar e uma boa cama.

Salvador/BA
Acordei com um ânimo renovado, tanto por causa do bom tempo quanto pelo destino. Finalmente chegaria a Salvador! Saí cedo, como de costume, e rumei ao porto. Não tardou a cumprir os 20km restantes para pegar a balsa e atravessar a baia de todos os anjos. Foi uma travessia longa e a chegada bem complicada. 

Como toda metrópole, tive que enfrentar um trânsito caótico, longas distâncias e me perder pelas ruas. Como já era início da tarde e não iria muito longe, resolvi tirar o resto do dia pra mim e continuar no dia seguinte. Fui rumo ao Pelourinho para tirar algumas fotos e conhecer os pontos principais. Tirei várias fotos e segui rumo ao Shopping Salvador, que ficava rumo a saída da cidade. Me avisaram que na região, próxima a rodoviária, havia muitos hotéis baratos. 

Enfim, aproveitei a noite para ir ao cinema assistir Tropa de Elite 2 (muito bom!) e comer um pouco melhor que o de costume. Tomei um belo Milk-Shake e fui pro hotel me preparar pro próximo dia.
Rai e Nicéia

Minha saída de Salvador já tinha destino certo, Camaçari, mais precisamente na praia de Guarajuba, onde mora um amigo. O trecho foi longo e com muitos altos e baixos pela estrada do Coco. Mas havia um bom acostamento e muitos pontos de reabastecimento pelo caminho, o que tornou o trecho não tão difícil. Cheguei ao meu destino no final do dia, onde fui muito bem recebido.

Banho quente, cama arrumada, roupa lavada, bom jantar, belo café da manhã e uma excelente companhia. Não há coisa melhor! Pela manhã fizemos um passeio até a praia da Torre e saí quase 12h00. Antes tarde do que nunca!

Turma no Mirante do Sauípe
O próximo trecho foi pela Linha Verde, no município de Mata de São João. Mais uma vez muitos altos e baixos para dificultar, mas sempre regado com muita água de coco, que havia em fartura pelo caminho. Num dos pontos, próximo ao Mirante do Sauípe, encontrei um pessoal simpático que me prendeu em uma longa conversa sobre vida, política e família. Acabei gastando quase 1h, mas valeu cada minuto.

Meu descanso foi em Subaúma, cerca de 8km pra fora da minha rota. Não havia outras boas opções no caminho e, portanto, acabei desviando um pouco meu rumo. Valeu a pena. Lugarzinho aconchegante, pude gozar de um bom repouso pra seguir no próximo dia.
Conde/BA
Infelizmente nem todos os dias se seguem com a mesma disposição. Acordei me sentindo um pouco mal e cansado e praticamente empurrei a bicicleta por todo o percurso. Não tinha fôlego nem disposição, com uma vontade imensa de parar no primeiro canto e dormir um pouco. Cada passo foi com muito sacrifício e meu dia foi muito difícil. Parei em Conde, não mais que 30km da divisa do estado com Sergipe. Amanhã darei adeus a Bahia.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Costa do Cacau e Dendê

Caminho para Praia - Canavieiras
Foi com pesar que deixei Canavieiras. Uma cidade linda e que certamente voltarei. Como saí muito tarde, a jornada foi pouco produtiva, ainda mais com a série de subidas e descidas que enfrentei. Não consegui seguir além de Una, onde se encontra a ilha de Comandatuba. Como não daria tempo de chegar na cidade seguinte, fiz um desvio de 6km e fui conhecer a tão falada ilha.

Confesso que fiquei muito decepcionado com o que vi. A ilha tem basicamente o hotel de luxo - R$ 1500,00 a diária em baixa temporada - e só. Tive que pegar uma balsa para chegar na ilha e fiquei confinado a ala pobre, que é um bar que fica ao lado do hotel. Pedi um caldinho de feijão e uma cachaça e fiquei olhando as ondas do mar por uns minutos. A vista é muito bonita, mas tem pouco o que se fazer por lá.

Comandatuba
Terminado o pequeno momento de descanso, ainda dei uma volta na ilha e fui até o hotel enquanto a balsa não vinha me buscar.

Por causa do meu pequeno passeio na ilha, pude voltar apenas as 16h30 em função do horário da balsa. Meu trajeto restante até Una se deu no anoitecer. Cheguei por lá e fui procurar um orelhão pra ligar e não achei nenhum operando. É um problema bem recorrente na Bahia, mas compensado pela gentileza dos moradores. Prontamente providenciaram um telefone para que eu pudesse ligar. De lá fiz um bom jantar e segui para uma lanchonete para alimentar meu vício assim que entrei na Bahia: suco de cacau gelado. Tomei 3 jarras de 1L após o jantar! As moças da padaria já estavam olhando assustadas!

Luar de Una
Na pousada, pela manhã, tive uma longa conversa com as simpáticas moças que cuidavam no local. Discutimos os casos que as mães impedem os pais de terem contato, e também dos pais que optam para não ter qualquer relacionamento com os filhos. Foi uma longa conversa que consumiu algumas preciosas horas de pedalada, mas que valeu a pena.

O próximo rumo foi Ilhéus. Infelizmente as distâncias entre as cidades me impuseram um ritmo complicado. Eram longas demais para fazer dois trechos em um só dia, mas curtas o bastante para me deixarem com muito tempo livre. De certa forma foi bom, pois pude fazer algum turismo e não apenas rápidas passagens pelos lugares. O trecho foi bem tranquilo, apesar das várias subidas, e pude chegar rapidamente em Olivença e, depois, em Ilhéus. Caminhei calmamente pela cidade, com o objetivo de encontrar a última pousada, já na saída da cidade. Encontrei uma pousada boa e barata, onde o casal proprietário do lugar me contou a história da filha deles  que fez o caminho de Santiago de Compostela de bicicleta.
Praia do Cristo - Ilhéus/BA

Meu jantar foi pizza, pois era a única opção na redondeza. O jantar pobre foi recompensado pelo café da manhã. Sendo eu o único hospede, os donos, assim que viram eu me levantando, foram correndo preparar o café, que já estava ajeitado apenas esperando eu dar o "ar da graça". Fizeram omelete, banana assada, suco, tudo quentinho e fresquinho. Foi um dos melhores cafés que tive até o momento, especialmente pela atenção que me deram.

Com a barriga cheia, segui viagem por uma bela ciclovia que ia até a Lagoa Dourada, que não cheguei a conhecer. Foram 32km de perfeita planície, que fiz em menos de 2hs tranquilhamente. A empolgação durou até ver o nome da próxima cidade: Serra Grande. A partir da serra, desci da bicicleta e fui empurrando por praticamente  todas as subidas de todo o resto do trecho. Somado ao sol escaldante, foi realmente um trajeto difícil. É claro que toda a dificuldade tem sua recompensa.

Mirante II - Serra Grande/BA
Há dois mirantes em Serra Grande, o primeiro logo no início da subida. A visão era magnífica, conseguia ver toda a praia embaixo e uma grande parte da vegetação. Aproveitei a barraca de água de coco e me reidratei um pouco - o sol estava REALMENTE escaldante - pra aguentar seguir subindo. Ao chegar no segundo mirante, alguns quilômetros a frente, a visão me deixou pasmo.

Obviamente a fotografia não chega aos pés da visão ao vivo, nem passa a sensação da grandeza da natureza que pude presenciar lá do alto, muito menos permite ouvir ao longe o barulho das ondas e o vento úmido soprando suave no rosto.  A vista do alto é espetacular e merece ser vista ao vivo.

Itacaré/BA
O dia seguiu bem difícil, cheio de altos e baixos, até chegar ao finalzinho do dia na cidade de Itacaré, a tempo de flagar um belíssimo por do sol a beira mar. Aproveitei e me dei um jantar de rei, parando na barraca em frente ao mar e comendo um belo peixe assado. Nada como comer assistindo o mar banhado pelo luar. Fui pra pousada e dormi um belo sono.

Ao amanhecer, tive um sério problema: não havia como eu sacar dinheiro na cidade! Estava sem nenhum tostão no bolso e me alertaram que seria a mesma situação por muitos quilômetros a frente. Fiquei apavorado em saber como seguiria. Fui até um posto de gasolina e pedi a gentileza para o gerente me arrumar R$ 20,00 (tirado do meu cartão de débito) para que eu tivesse com o que seguir adiante.

Com o dinheiro controlado, teria que ser bem econômico no trajeto. De fato fui, pois não havia onde comprar água por quase todo o caminho. Passei muita sede no trajeto, especialmente com o sol que insistia em maltratar. Apenas muito a frente eu localizei um oasis, onde pude comprar água de coco e completar minha água, o que me deixou com R$ 12,00 de saldo na carteira.

Camamu/BA
Meu destino foi Camamu. Uma cidade curiosa em sua arquitetura, cheio de ruas estreitas e vários barcos pescadores. Pra variar, sempre em meios a muitos morros. Recebi uma atenção especial de alguns moradores, especialmente após explicar meu problema com dinheiro. Foram andando ao meu lado, me levando pousada a pousada até encontrar uma que aceitasse meu cartão. Fizeram o mesmo com o restaurante, mas não tivemos a mesma sorte.

Enfim, pude almoçar com os R$ 12,00 que tinha e seguir viagem no dia seguinte, levando, é claro, água extra para dar conta do percurso.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Costa do Descobrimento

Porto Seguro
Um belo amanhecer ensolarado. Foi isso que encontrei em Porto Seguro após tanta chuva seguida. Tive privilégio de um farto café e segui pra bicicleta. Pelo caminho, muito movimento, praia e areia, coisas que não via há algum tempo.

Seguir a beira-mar tem uma grande vantagem - tudo é praticamente plano. Desta maneira pude sustentar uma boa média por um longo tempo e aproveitar melhor a paisagem e a brisa no rosto. Minha primeira parada foi em Santa Cruz de Cabrália, tanto para uma água de coco como para um pouquinho de turismo. Pude fotografar o local da primeira missa no Brasil, onde ergueram uma enorme cruz na comemoração dos 500 anos da colonização portuguesa. Tive também algumas conversas sobre Vicente Pinzón e Duarte Pacheco. Sabia que meus estudos de história seriam úteis algum dia!

Balsa para Belmonte
Enfim, fotos tiradas, continuei seguindo a região chamada "Costa do Descobrimento". Várias belas praias compunham o lugar, bem como uma fartura de lugares para reabastecer-me. No entanto desta vez não precisei de muitas paradas, já que a pista parecia um tapete, totalmente nivelada, e não poderia ser mais perfeito para pedalar. Minha próxima parada foi a balsa rumo a Belmonte.

Depois da balsa, o ritmo intenso prosseguiu até Belmonte, onde fiz pequenos reparos na minha bicicleta e fui procurar a lancha que fazia a travessia do mangue até Canavieiras. Existia outras duas possibilidades: uma era pela estrada em construção BA-001, outra era pelo mangue. Como meu prazo para chegar em Recife está começando a ficar apertado, fui pela rota mais segura. 

Praça em Belmonte
"Se" a estrada em construção estivesse em boas condições, teria levado menos tempo por lá, mas não consegui nenhuma informação confiável sobre isso. Meu medo era que faltasse alguma coisa, como uma ponte, e me fizesse perder tempo. 

Uma pena que o pequeno filme que fiz não dá a real noção de como é andar pelo meio do mangue, abaixando a cabeça para não bater em nenhum galho e as vezes tendo a impressão de que a lancha irá se chocar no meio do mangue. Foi uma experiência interessantíssima, especialmente pela bela paisagem. Mais um bicho pra coleção de animais que avistei nesta jornada. Desta vez foi um boto. Pena que não pude registrar.


Quando cheguei a Canavieiras, recebi um verdadeiro choque! Que cidade linda! Até então nunca havia ouvido falar neste lugar. Tudo muito bem conservado, muita circulação de bicicleta e uma limpeza fantástica. Não avistei nenhum vandalismo ou pixação. Lugar exemplar! Ao primeiro cidadão que paro para perguntar sobre pousadas, mais outra agradável surpresa. Além da orientação, recebi um convite para jantar!



Canavieiras
Eram dois estudantes que, por problemas com o ônibus da prefeitura, perderam a aula na faculdade de Ilhéus. Pessoas muito simpáticas com as quais tive uma conversa inteligente ao longo da noite. Afinal, companhia sempre é bem-vinda. Ao final, não me deixaram pagar a conta.

Insistiram ainda que, pela manhã, passasse na casa de um deles, o Bruno, para que ele me levasse para um passeio pela praia. Ele foi estudante de turismo e me apresentou não somente os lugares da cidade como também contextos históricos e outros detalhes, tais como arquitetura e economia, que me permitiram ter a experiência de um verdadeiro tour.

Eu, Bruno e João
Ao final, recebi uma fita do Nosso Senhor do Bonfim. Não acredito nestas coisas, mas vou manter a fita no meu pulso como recordação. Enfim, por causa deste passeio matutino, acabei saindo de Canavieiras por volta das 12h00, mas sem arrependimentos. A partir desta cidade acaba a Costa do Descobrimento e começa a Costa do Cacau.

sábado, 23 de outubro de 2010

Bahia adentro

Alvorecer na Praia do Sossego
Despertar no paraíso é uma experiência inesquecível. Ao sair da minha barraca, me deparo com um belíssimo nascer do sol. Não esperava a visão linda, a brisa do mar, o barulho das ondas e a noite otimamente dormida. Meus novos amigos ainda descansavam da cerveja da noite anterior e assim ficaram por mais umas duas horas.

Fiz meus preparativos pra sair. Todo o ritual leva cerca de 1h30, incluindo o desmonte da barraca. Aguardei um pouco que despertassem para me despedir e prosseguir pelas trilhas.

Após sofrer tanto para entender o caminho, aprendi finalmente que o Picadão era a "avenida" em meio aos eucalípitos que cortava praticamente todo o trecho sem precisar seguir até as praias. A partir daí ficou muito fácil quase completar o percurso. Digo "quase", pois o Picadão acabava, depois seguia por dentro de uma fazenda.

Tive que atravessar por dentro de um riacho e também atravessar um longo trecho de areia antes de alcançar o rio Mucuri, porta de entrada da cidade de Mucuri. Apesar do percurso ter sido bem puxado, ainda estava cedo e eu tinha disposição para seguir adiante. Peguei a estrada de terra rumo a Nova Viçosa esperando chegar logo por lá. No entanto tive um grande susto.

Rodovia Estadual
Apesar da estrada de terra ser uma rodovia estadual, não demorou muito para que eu percebesse que não levaria a lugar algum. No final a rodovia se dividia em três direções: a mais reta terminava em uma porteira trancada com cadeado, a mais a direita atravessava duas grandes depressões e um rio. A terceira seguia rumo aos eucaliptos, que foi a que escolhi seguir.

É simplesmente impossível se encontrar dentro dos eucaliptos sem um mapa. Fiz zigue e zague por horas, avançando sempre muito pouco dentro da plantação. Foram horas de desespero tentando saber pra onde ia, pois não me achava mais nem pra seguir adiante nem pra voltar.

Por sorte, depois de muito tempo, encontrei uma via principal com moradores. Me informaram que seguindo esta via em linha reta, terminaria na BR-101. Apesar de temer esta rodovia, seria ótimo sair do lugar que estava. Segui em frente, passando por vários vilarejos pobres até chegar na BR.

Já era final do dia e a rodovia simplesmente não tinha acostamento. Era somente mato. Conforme caia a noite, ficava cada vez mais apavorado e sem rumo. Não havia qualquer hotel pelo caminho. Acabei tendo que caminhar na escuridão da BR, com os caminhões rasgando a rodovia. O descanso aconteceu em um posto de gasolina.

Portal de Teixeira de Freitas
Novamente bem cedo, prossegui para Teixeira de Freitas. Em 20km alcancei a cidade. Infelizmente achei o lugar bem mal cuidado. Como meu pneu estava muito desgastado, aproveitei a cidade e coloquei um novo pneu, pois o anterior estava muito rasgado. Ao retornar a BR, em cerca de 30 minutos de pedalada, o pneu estourou. Ficou um grande buraco que dava para colocar o indicador até a câmara. Achei melhor remendar o pneu e continuar a pedalar, o que foi um grande erro.

Neste trecho minha câmara furou um total de 8 vezes, até que eu desisti de vez de tentar reparar. A noite vinha caindo e ainda estava cerca de 15km de Itamaraju, próximo a descida da serra. Dei uma grande sorte quando um motorista me viu empurrando a bicicleta na descida e resolveu parar e me convenceu a pegar uma pequena carona neste trecho. Esta decisão me salvou de uma noite bem difícil empurrando a bicicleta.

Avenida em Itabela
A cidade era bem cuidada, com a bela visão de um monte por toda a cidade. Aproveitei o tempo extra para passear a noite e fazer um ótimo jantar. Pela manhã mais uma ótima notícia: A BR-101 possuia acostamento a partir deste ponto. Aliás, um bom acostamento, totalmente asfaltado. Minha viagem até Itabela foi prazerosa, com direito a pontos para água de coco.

Itabela é uma cidade de poucos atrativos, tendo poucas opções de pousada e de refeição, mas suficientes para me recuperar para o próximo dia.

Finalmente seguiria rumo a uma cidade que estava ansioso: Porto Seguro. Sempre quis conhecer a cidade. Havia um caminho de terra mais direto e um mais longo via Eunápolis. Optei pelo mais direto.

Vilarejo antes de Vera Cruz
Muita chuva pelo caminho e muita serra, pude conhecer pequenas comunidades extremamente pobres, por dentro de vias inacessíveis até mesmo de bicicleta, onde empurrar foi tarefa árdua que durou horas.

Muitos lugares não tinham energia e muito menos qualquer comércio, até alcançar a cidade de Vera Cruz. Pude me reabastecer de água e comprar alguma coisa pra comer e continuar a jornada.

Ao sair da pequena cidade, a chuva intensificou ainda mais e a pedalada ficou cada vez mais difícil. Nunca esperei passar tanto frio na Bahia quanto experimentei neste dia. Nem parecia com o lugar de sol que tanto ouvi falar.

Portal de Porto Seguro
Minha chegada em Porto Seguro foi embaixo de uma baita chuva e acabei não conseguindo ver muito pela cidade na noite. Segui até o centro e procurei um lugar barato para a noite, o que acabei encontrando rapidamente.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Nordeste

Praia deserta no ES
Como habitual, recomecei a jornada no primeiro raiar do sol. A espelunca que estive não tinha café da manhã e não havia nada aberto para me abastecer. Saí com pouca água e nenhuma comida. Pelo caminho apenas vilarejos e nenhum lugar para me reidratar.

Muitas praias passavam ao meu lado, todas completamente distantes da população. Como estava uma leve chuva, era difícil encontrar qualquer pessoa na rua, e meu trajeto foi quase que sem paradas.

Trilha rumo a Conceição da Barra
A única grande cidade que passei no trajeto foi São Mateus, mas que logo ficou pra trás. Estava com muita pressa. Escolhi sempre as trilhas mais diretas que apareciam em meu GPS, tanto para evitar a temida BR quanto para usar o menor caminho. É claro que esta minha decisão sempre me leva pros caminhos mais estranhos possíveis.

Enfim, consegui chegar em um único dia a Conceição da Barra, num percurso de pouco mais de 100km. Estou desenvolvendo um ótimo ritmo, especialmente neste terrenos quase que planos onde estou passando.

Fiquei numa pousada administrada por dois velhinhos super simpáticos e amorosos. Adorei o lugar. Cuidavam de aves e se orgulhavam por terem ninhos de pica-paus e de uma ave rara, cujo nome não me recordo, na mesma área da pousada. Enfim, gente que espero reencontrar. Me deram algumas dicas para a viagem, especialmente para algumas assaduras que tive no caminho, pois a estrada de terra era cheia de "costelas de boi" que me machucaram muito.

Por falar em machucados, esqueci de mencionar na outra ocasião, ainda em Vitória, que fui ao médico verificar o que estava acontecendo com minha mão, que vinha doendo desde o tombo em Bananal/SP. Diagnóstico: Fratura no pulso. Desde então venho convivendo com um apoio para o pulso que vem me ajudando a evitar as dores durante a pedalada, mas que está longe de resolver o problema.

Comi e Dormi muito bem na cidade e comecei o dia um pouco mais tarde, quase as 11h00. Queria dar um descanso aos assados e ter um dia mais tranquilo. Segui rumo a Itaúnas. No caminho tive o prazer de encontrar outro ciclista, de moto, que me acompanhou uma boa parte do trajeto.

Estrada para Itaúnas/ES
Como a chuva não deu trégua, a estrada para lá estava um verdadeiro lamaçal. Era difícil beber água na caramanhola sem sentir o gosto do barro. Fora a sujeira, a estrada em si tinha pouco movimento e estava suficientemente sinalizada. Como o percurso também era curto, não foi um trajeto particularmente difícil.

Minha chegada em Itaúnas foi tranquila, com direito a água de coco e pensão boa e barata. Não tinha café da manhã, então providenciei vários mantimentos no mercadinho da frente e ainda aproveitei para passear pelas famosas dunas. Dormi bem cedo e acordei um tanto tarde, as 07h00. Segui viagem as 08h00, mas com pouca informação sobre direção.

Iria atravessar um trecho que soube depois pertencer a Suzano Celulose. Eram plantações imensas de eucalípitos, onde era muito fácil se perder. A primeira coisa que fiz assim que avistei uma placa foi seguir em direção ao litoral, rumo ao Riacho Doce/BA. Era uma belíssima praia e havia recebido orientação do pessoal para seguir por ela, que seria o melhor caminho.



Ledo engano. As informações que recebi estavam erradas. Não é possível transpor a praia em qualquer período do ano, apenas conforme a maré. Tive que voltar as quase 1h30 de percurso, perfazendo 3hs de prejuízo no trajeto. O jeito foi segui até a próxima praia pelos eucalíptos.

Costa Dourada
Com muita dificuldade consegui atingir Costa Dourada/BA. A praia é simplesmente perfeita. A cidade sempre composta de grandes casas e belas pousadas, parecia ser um retrato do paraíso. Minha permanência neste lugar foi incrivelmente curta, pois me foi dada a informação que a única forma de chegar a Mucuri, minha próxima parada, seria de balsa e que a última partiria as 17h30.

Com disposição renovada, sai como um disparo em direção ao rio da travessia. Claro que quando não sabemos pra onde ir e vamos mais depressa, a única coisa que conseguimos é nos perder mais rápido. Fiquei em meio a plantações sem saber como sair de lá, até que começou a anoitecer. Rapidamente fui rumo a Praia do Sossego, a última da região e que não dispunha de qualquer infraestrutura, muito menos pousadas. Esperava localizar um bom local pra acampar e, se tivesse sorte, comer. Na primeira casa que pedi informações, fui convidado a entrar, comer e passar a noite.

Foi uma bela noite, com direito a churrasco, muita boa conversa e um bom banho. Minha noite foi na barraca num repouso muito tranquilo. Precisava realmente de um pouco de descanso.







sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Um pouco de companhia

Ciclovia de Guarapari
Após um café da manhã extremamente politizado com os usuários da pousada, peguei estrada. Minha intenção era a de sair bem cedo, mas o papo estava tão bom que fui sair mais de 10h00. O percurso foi bem tranquilo, com pouco trânsito, bom rendimento e sempre acompanhado de um belo cenário e de uma excelente receptividade dos moradores.

A grande maioria dos trechos tinham acostamento e ciclovia. Todo o litoral sul do Espírito Santo é muito bem estruturado para o ciclista.

Pedalei um total de 100km até chegar a ponte 3 em Vitória, onde não é possível atravessar de bicicleta. Por sorte, tenho parentes em Vitória que me ajudaram neste problema e me ofereceram um período de descanso junto a eles.

Não é mais o cansaço ou a distância que me desafiam. Minha maior dificuldade é, sem dúvida, a solidão. Durante minha estada em Vitória, pude partilhar 2 ótimos dias com alguns membros da minha familia afastados pela vida por longos anos.

Celebramos este reencontro, mas para mim com muita dor. A alegria de meus primos com seus pequenos me fez inveja-los pelos momentos que não tive com o meu próprio. De qualquer maneira a felicidades deles contagiou a todos.

Outro acontecimento importante foi que a TV Gazeta, afiliada rede Globo de Vitória, fez uma pequena reportagem comigo.



2º BP Rod de Coqueiral de Aracruz
Apesar de curta, esta pequena reportagem teve um impacto maior do que eu podia imaginar. No dia seguinte comecei a ser cumprimentado na rua, na praia, nas paradas.... enfim, tive meus 15 minutos de fama. Em todos os lugares que estive, nas regiões praianas de Serra, Aracruz e Linhares, pude ter muita companhia e bate-papo.

Meu ponto de parada foi em Vila do Riacho. Fui procurar uma pousada pela cidade, mas a única existente estava completamente lotada! A solução foi pedir autorização para montar uma barraca em frente ao batalhão de polícia da cidade, o que gentilmente permitira e com direito a um cafézinho. Foram muito gentis e atenciosos comigo e tive uma ótima noite.

BPM de Vila do Riacho
Logo cedo, as 06h00, segui viagem. Peguei uma trilha mais ou menos na direção do GPS, mas logo ambos divergiam. Segui mesmo assim e acabei chegando ao meu destino, em Regência. O lugar é uma pequena vila onde serve de ponto de encontro de surfistas e apreciadores de alguns tipos de erva.

Meu obstáculo na cidade foi encontrar alguém para me levar através do Rio Doce, o que acabei encontrando. Ele quis "os olhos da cara", e acabei ficando sem opção e aceitando. O outro lado da travessia é um lugar maravilhosos! Minha dificuldade foi atravessar o mar de areia, pois não havia estradas e minha bicicleta afundava na areia fofa.

Atravessei a vila da Povoação e depois prossegui em direção a UTGC da Petrobrás. Aliás, parecia que este lado inteiro de ES pertencia a esta corporação, pois não havia momento que não avistava uma construção deles por ali.

Pontal do Ipiranga
Descansei em Pontal do Ipiranga, onde acabei ficando numa espelunca e me cobraram muito caro, além de me fazerem pagar adiantado e não ter direito ao café da manhã. Foi uma péssima noite.

Pela manhã, 05h30, segui viagem. Não conseguia dormir e não via a hora de sair de lá.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Espirito Santo

Bom Jesus do Norte
Minha saída de Bom Jesus de Itabapoana foi tranquila, pois acordar e subir na bicicleta já se tornou minha rotina. Afinal, foram duas semanas inteiras fazendo praticamente o mesmo ritual. A entrada para Bom Jesus do Norte, já no Espírito Santo, foi repentina. Só fui notar que tinha mudado de estado quando estava praticamente saíndo da primeira cidade.

Sempre vivo o dilema: confiar no GPS ou nos moradores? Antes de sair, havia discutido por telefone com meu pai sobre a melhor rota a seguir. De acordo com ele, deveria seguir direto para a BR-101. A alternativa, 40km mais curta, seria por uma estrada de terra, de acordo com o guia dele. Eu, por outro lado, havia confirmado com os moradores locais sobre tal estrada e me confirmaram que era asfaltada. A diferença entre ambas rotas era significativa e, portanto, resolvi arriscar.

Entrada de São José do Calçado
A cidade seguinte, São José do Calçado, ficava na encosta de uma colina. Portanto, subi-la foi realmente um baita esforço. Quando tentei encontrar a tal rota que ia para Cachoeiro de Itapemirim, todos desconheciam. Fiquei procurando por GPS a entrada da rodovia, mas somente havia uma trilha. Frentistas de um posto me informaram que aquele seria meu caminho e, pior, seria através da serra do Jacá. Tive que decidir: Voltar 15km e escolher a alternativa ou avançar pela trilha. Como ainda estava cedo, achei que seria uma boa idéia continuar pela terra. Péssima idéia.

No começo era uma pequena subida. Conforme seguia, passou a ser uma bela subida. Depois, se tornou uma verdadeira parede, onde não havia disposição para empurrar a bicicleta. O suor corria em litros, pra dar conta do calor insuportável e o esforço exagerado. Quando pensei que já tinha subido tudo o que tinha pra subir, uma olhada após uma curva, descubro que ainda nem comecei. Um caminhão passou por mim.... alguns minutos depois avisto o mesmo caminhão quando estou olhando pra cima, apreciando a montanha.

Serra do Jacá
Já estava exausto, cansado, esgotado, acabado.... e continuava a subir. Aquilo não era uma serra.... era uma escalada! Pensei comigo mesmo que, se olhasse pra baixo, era capaz de ver um avião passando. Minha água já tinha se esvaido quando dei a sorte de encontrar um senhor parado com um cantil cheio d'agua. Ele me ofereceu completar minha caramanhola e me deu novo ânimo em seguir. Pouco depois me deparo com um presente: uma das visões mais lindas que já tive. Apesar do meu medo de altura, sou fanático por altitudes elevadas. Admirar a sequência de montanhas foi fantástica! Todas as montanhas e colinas que avistei do começo da trilha ao final tinham um verdadeiro tapete verde sobre elas. Parecia uma tela.

Meu sonho sempre foi morar no interior - Campinas certamente não é o lugar mais apropriado - e a visão dos sítios daquela trilha me encheram os olhos. Aquilo era de fato um paraíso. Cercado de montanhas e muito, muito verde, as casas eram todas bem arrumadas, mais uma vez parecendo uma pintura bucólica.

Conceição de Muqui
Conheci vilarejos, chamados de "patrimônios" pelos capixabas, um mais bonito que o outro. Pude provar um refrigerante de laranja envasada em garrafa de cerveja, entre outras peculiaridades. Este é um Brasil muito diferente de tudo que já havia conhecido. Todo o trânsito da população era feito por motos, ao invés de bicicletas e cavalos que já havia presenciado em todas as vilas do Rio, São Paulo e Minas. Impressionante a quantidade de motos que transitava pelas trilhas e patrimônios. Até uma mocinha que aparentava uns 13 anos e parecia mirradinha demais para aguentar o peso da motocicleta estava pilotando uma.

Passei por Conceição do Muqui que é outro patrimônio particularmente interessante. O local começava na encosta da montanha e se estendia ao longo de um vale. Uma arquitetura muito própria, bem como o formato da cidade.

Noite em Muqui
O trecho final, sentido Muqui, me deu um descanso. Apesar de serem 23km entre as duas localidades, os últimos 7km eram somente de descida. Consegui chegar em Muqui já noite, as 18h30. As noites estão iniciando cada vez mais cedo e preciso levar isso em mais consideração, especialmente quando transitar por trilhas.

A noite na cidade, me servi da famosa muqueca capixaba e dei alguns passeios pela região. Não me prolonguei demais pois teria mais um dia de pedaladas logo pela manhã, rumo a Cachoeiro do Itapemirim, terra natal do cantor Roberto Carlos.

Minha partida se deu pelas 08h00 com um ótimo aproveitamento. A cada dia percorro distâncias maiores com mais desenvoltura, chegando em Cachoeiro antes das 11h00. No entanto, sair de lá foi realmente complicado. Recebi informações confusas e desencontradas que me fizeram gastar preciosas 3 horas dentro do município até pegar a estrada rumo a BR-101.

A falta de acostamento realmente me preocupou, pois os caminhões passavam em alta velocidade, muitas vezes invadindo o pouco espaço que tinha. Minha maior pressa era me afastar da rodovia e ir pra um caminho mais tranquilo.

Anchieta (Iriri)/ES
As cidades de Rio Novo do Sul e Icona foram minhas passagens através da BR, até seguir sentido Piúna, já no litoral. A pista ainda tinha algumas subidas, mas nada muito íngrime como em outras situações/terrenos.

Ainda no final do dia pude comemorar minha chegada ao mar.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Rio - Adeus e Saudades

Certamente deve existir uma linha divisória demarcando o Rio de Janeiro antes e depois de Três Rios. Só pode ser esta a explicação para tamanho contraste entre ambas regiões. O último Funk que ouvi foi em Pinheiral e a última grosseria por causa da bicicleta em um posto pouco antes de Vassouras. Saindo da cidade, não pude acreditar no Rio de Janeiro que aparecia ante meus olhos! Um lugar fabuloso e encantador, com pessoas amáveis, ciclovias e outras coisas que, apressadamente, julguei não existirem por aqui!

Acostamento na BR-393
Três Rios foi a primeira da série de agradáveis surpresas. Conhecer um ciclista na cidade, encontrar pessoas receptivas, colocar a bicicleta no quarto, tudo isso me deixou realizado. As cidadelas no caminho, uma mais bela que a outra. Minha única crítica em todo o trajeto foi o excesso de caminhões no caminho, mas também não dá pra querer que tudo seja perfeito.

A rodovia que passei, a BR-393, é privatizada. Todo o trecho norte dela possui acostamento e infraestrutura, com direito até pontos de parada para completar a caramanhola. Agradeço em especial o pessoal da SAU 2 e SAU 1 pela atenção que tiveram comigo e me acompanharam no trajeto após Três Rios.

Éder Monteiro e um de seus filhos
Logo após, na mesma rodovia, tive o agradável encontro com o ciclista Éder Monteiro. Ele me acenou assim que avistou a bicicleta e me ofereceu abrigo em sua casa em Além Paraíba. Tive uma explêndida noite, com boa conversa, jantar e um bom lugar pra dormir. Ainda recebi várias dicas e uma pequena revisada na bicicleta. Aproveitei o tanque da casa dele e fiz o que foi possível para lavar minhas roupas. Como minha mão ainda dói, fiz isso com muita dificuldade, mas valeu a pena ter roupas limpas.

Além Paraíba faz parte de Minas Gerais. A divisa entre Rio e Minas é feita pelo Rio Paraíba, que me acompanhou por todo o trajeto. Após um belo café da manhã, mais uma vez segui jornada.

Praça em Estrela D'alva/MG
O dia foi bem produtivo, apesar da pista não ter mais acostamento a partir deste ponto. Aliás, a rodovia vira um verdadeiro canteiro de obras ao longo de todo o resto do trajeto. Passei por Volta Grande, Estrela D'alva e Pirapetinga. Estrela D'alva em especial mereceu momentos a mais de descanso na praça da prefeitura. Cidadezinha muito aconchegante e bem cuidada, é um convite ao visitante.

Já em Pirapetinga pude dar meu segundo adeus a Minas Gerais, pois cruzaria novamente o Rio Paraíba rumo ao trecho final do Rio de Janeiro. Já haviam placas apontando para Vitória/ES, apenas mais 336km. Vale ressaltar que os caminhões não davam descanso e passavam seguidamente pela cidade.

O percurso final do dia foi para Santo Antônio de Pádua. Trajeto tranquilo, com vários vilarejos oferendo sua hospitalidade. Algumas, além de hospidalidade, também ofereciam generosidade. Foi o caso de um, cujo nome desconheço. Numa destas barraquinhas que oferecem água de coco, perguntei a distância para Santo Antônio. Me informaram uns 20km, mas que eu não deveria ir sem me hidratar. O morador simplesmente sacou o dinheiro e comprou pra mim. Não foram os dois reais que fizeram qualquer diferença, mas o gesto inesperado e sincero. Me senti obrigado a ficar e conversar um pouco. Depois que expliquei a situação do meu filho, recebi palavras de apoio e ainda me pediu para procurar o restaurante de um amigo dele para jantar de graça. Ele também me ofereceu abrigo na casa dele. Agradeci ambos os convites, mas precisava seguir viagem. Tenho que chegar a Recife antes do dia 17/11, e não posso dispensar horas de trajeto.

Entrada de Santo Antônio de Pádua
Santo Antônio de Pádua me foi uma deliciosa surpresa. A cidade é realmente fantástica e recebe o visitante com belíssimas luzes e esculturas. O lugar é pequeno e o povo acolhedor, um lugar realmente amável. Aproveitei a bela noite para caminhar pela cidade e curtir um farto jantar. Valeu cada momento.

Logo pela manhã parti rumo ao meu último destino no estado do Rio: Bom Jesus do Itabapoana. Foi a maior distância que já fiz num único dia - 77km. Sempre repeti que meu físico nunca foi dos melhores e que os preparativos foram breves. No entanto, semana após semana pedalando vem me dando a resistência necessária para distâncias maiores. Hoje pude perceber que faria uma distância maior ainda sem fadigar.

Conforme prosseguia a estrada, as belezas vinham aumentando. Gostaria de poder publicar todas as fotos que tirei, mas o blog é pequeno demais pra isso.

Todo o caminho foi ameno, com poucas subidas pesadas. O dia passou rápido e de forma gostosa. Esta será minha última noite no Rio, uma terra de belezas e contrastes. Encontrei violência e sujeira, mas também encontrei paz e beleza. É uma terra que vale a pena conhecer e, na minha opinião, especialmente a região norte, onde o povo parece ser genuinamente acolhedor.

Praça em Bom Jesus
Estar aqui foi uma experiência única. Agora vou descansar uma boa noite de sono para uma nova etapa da jornada, desta vez no Espírito Santo.


terça-feira, 5 de outubro de 2010

Rio - Aversão a ciclista

 Mal via a hora de chegar ao Rio. Afinal, apesar de Minas ser o primeiro estado do trajeto, ele sempre esteve muito próximo do percurso. O Rio de Janeiro seria um marco de uma distância respeitável. Estive em poucas ocasiões no estado, visitando um amigo em Quatis, passeando em Penedo e, é claro, na capital. Eu pretendia passar por alguns lugares turísticos como Petrópolis, pois sabia que levaria muitos anos até ter uma nova oportunidade.

Saí de Bananal cheio de dores e fui imediatamente verificar o que houve com os freios. Obviamente deveria te-lo feito antes do tombo, mas é uma dupla estupidez não faze-lo após. A razão do freio não estar funcionando é pq ele já estava completamente desgastado. Eles não aguentaram a Serra da Mantiqueira Eu, leigo de tudo, deveria ter percebido que era isso, pois estava com pastilhas reservas no alforje.

Com muita dor, segui a pedalar. Foram diversos quilômetros por serras em uma rodovia cheia de animais na pista. Os carros sempre tinham que desviar, algumas vezes os apressadinhos davam belas freiadas. Enfim, algum tempo de percurso depois, eis que avisto a marcação de limite de estado. Muita alegria, com direito a fotos, e logo seguindo pedalando. Era apenas o começo do percurso até Barra Mansa.


Muvuca em Barra Mansa
Conforme fui adentrando ao Rio, alguns cenários começaram a me desagradar. Antes mesmo da entrada de Barra Mansa, muitas favelas beiravam a rodovia. Dentro da cidade, um verdadeiro inferno. Muitas pessoas, motoristas agressivos e o principal, que foi um verdadeiro susto pra mim - as pessoas têm aversão ao ciclista! Assim que entrei em uma padaria em Barra Mansa, a primeira reação foi a atendente gritar que a bicicleta tinha que ficar de lado de fora. Tudo bem... deixei-a na entrada e fui pedir um suco. Ela gentilmente o fez pra mim APÓS eu pagar. Era fácil perceber a volta que não era o procedimento padrão. Achei aquilo muito estranho, mas tomei como um evento isolado, ou talvez o fato de estar um tanto maltrapilho (não ando com espelho).


"Acostamento" no rumo a Pinheiral
De lá, segui para Volta Redonda. Durante o trajeto não havia qualquer ciclovia ou mesmo acostamento na via única que ia para lá. Os motoristas passavam buzinando zangados e "raspando" na bicicleta. Ao chegar na cidade, muito movimento e, salvo um ou outro, muita hostilidade dos moradores. A rodovia que saia da cidade era extremamente movimentada, com muitos caminhões e carros, e sem qualquer acostamento. Realmente meus planos de ir até Barra do Piraí foram mudados, pois não gostaria de ficar me arriscando em meio aos carros. Havia uma cidade no meio do caminho chamada Pinheiral. Apesar de sem acostamento algum também, a rodovia era um pouco menos movimentada.

Quando cheguei lá, o único hotel da cidade não queria me receber por causa da bicicleta. A senhora que atendeu resmungou algumas restrições e resolvi procurar outro lugar pra ficar. Rodei por duas horas a pequena cidade e nada encontrei. Coloquei vestes de humildade e voltei para o hotel.... por sorte o atendente era outro! Super simpático, pediu para que eu guardasse a bicicleta no quarto. Foi muito bom.

Trilha rumo a favela do macaco
Mais um dia se passou e comecei a ficar preocupado com a hostilidade geral com que fui recebido. Exceto pelo senhor do hotel e outro que conheci enquanto buscava informações na cidade, em geral o povo foi receoso com minha presença, tal como um intruso. Foi constrangedor. Tratei de seguir o quanto antes para Barra do Piraí. Desta vez tentei ir por trilha ao invés da rodovia. Poupei dos perigos de passar perto dos carros, mas acabei entrando num problema maior: a trilha terminava bem no meio da favela do macaco. Saí de lá rapidinho e sem incidentes.

Praça em Barra do Piraí
Fiz muito esforço, especialmente com as dores em minha mão que se prolongavam. Procurei um lugar para almoçar, esperando encontrar a aversão típica, o que de fato aconteceu. Não quiseram me receber no restaurante com a bicicleta, até que o dono percebeu que era de fora e permitiram que adentrasse. Como me explicaram, geralmente as pessoas que estão de bicicleta são "povo" (não com estas palavras) e é atípico um ciclista equipado andando pela região. Uma pena que pensem desta maneira.
 
Aproveitei pra justificar meu voto na cidade, o que, pra minha surpresa, foi feito com toda atenção e presteza pelo pessoal, mesmo fantasiado de ciclista. De lá, segui pedalando rumo a Vassouras. Cheguei bem no final da tarde, onde procurei um hotel para passar a noite. Acabei encontrando um lugar muitíssimo aconchegando, mas com a habitual recepção.

Acostamento da BR-393
Pretendia sair de Vassouras e ir pra Petrópolis, mas decidi que definitivamente precisava sair do Rio o mais rápido possível. Aqui não é lugar para ciclista. Perdi o gosto de estar em um lugar onde não sou bem recebido. Pedalei como nunca, passando dos 65km no dia. Passei por Paraíba do Sul e cheguei numa cidadezinha chamada Três Rios. Que lugarzinho maravilhoso! Que povo acolhedor! Minha idéia em formação de que carioca odeia ciclista foi por água abaixo após conhecer esta gente. Me orientaram, deram toda atenção e presteza. Até encontrei um ciclista que me ajudou a subir com a bicicleta.

Enfim, vou descançar, mas amanhã pretendo pegar novamente um pedacinho de Minas com o intuito de passar o menor tempo possível no Rio. Vou me manter em rodovias até sair do estado, e depois sigo rumo ao litoral.