terça-feira, 28 de setembro de 2010

Serra da Mantiqueira

Depois de sofrer muito no dia anterior, pude acordar após um sono reparador. Minhas pernas estavam doendo mais do que imaginava, mal conseguindo caminhar. Minha bicicleta estava danificada e precisava localizar uma bicicletaria em Monte Verde, quase 10km do hotel.

Débora ao lado dos restos da bicicleta
Caminhar na subida empurrando uma bicicleta travada não é nada fácil. Durante mais de 2hs de trajeto tive que continuar subindo a uma velocidade de 4km/h (meu computador de bordo voltou a funcionar!). Quando faltavam 2km para chegar a cidade, recebi mais uma mostra de cordialidade. Um casal (Débora e Alexandre) parou o veículo no caminho e ajudou-me a transportar a bicicleta para a cidade. Ao chegarmos no portal, perguntamos onde ficava o tal lugar ou onde poderíamos comprar uma corrente. A resposta foi taxativa: "É impossível você conseguir isto por aqui. Somente em Camanducaia". A preocupação começou a bater.

O casal que estava me dando carona foi persistente e zelaram por percorrer toda a cidade e assegurar que de fato não haveria qualquer bicicletaria. Não é que encontramos? O local é administrado por um garoto de 10 anos! Infelizmente não tive a oportunidade de conhece-lo, pois ele estava pedalando. No entanto seu pai foi prestativo e tentou ajudar a arrumar do jeito que sabia. Como eu também sou leigo em bicicletas, nós dois ficamos desvendando como faríamos para arruma-la. Acabou dando certo.

Uma vez arrumada, precisava saber qual seria meu próximo destino. Estava preocupado com o horário para partir, pois já eram 15h00 quando a bicicleta ficou pronta. Fui procurar a trilha para São Francisco Xavier e descobri que a Melhoramentos, proprietária da área, colocou duas cercas e vigilância no trecho. Seria arriscado passar por lá, especialmente porque a trilha não era mais conservada.

Tito, do Trás os Montes
Ao perguntar para o pessoal da cidade, me indicaram que a melhor opção seria seguir para Sapucaí-Mirim no próximo dia pela manhã, sugestão ao qual acatei. O próximo passo era encontrar um local para ficar. Para isso fui me informar com um rapaz do restaurante Trás os Montes. Tive outra demonstração de atenção impressionante. Ele ficou quase meia hora no telefone para localizar uma opção de hospedaria barata e acabou conseguindo a gentileza da Vereadora Tânia Theodoro (Camanducaia) em me abrigar gratuitamente em sua belíssima pousada (Araucárias Pousada - http://www.araucariaspousada.com.br ) , com direito a um ótimo jantar.

Acordei no outro dia bem cedinho.... o frio dominava o lugar e a chuva não dava tréguas. Apesar de estar na cama e cheio de cobertas, não havia agasalho suficiente e tive que me virar com o que tinha depois que levantei. Coloquei todos os apetrechos, capa de chuva, luva, balaclava, manguito. O medo de confrontar com a lama, frio e chuva me fizeram hesitar em sair, mas a lembrança do Francisco me impulsionou a sair.

Tomei um belíssimo café da manhã e fui tratado com as regalias de um hospede da pousada. Não pude conhecer a Tânia, mas sou muito agradecido a ela pela gentileza que concedeu. O mesmo digo ao Fabiano. Deixei as chaves com ele e segui viagem.

Monte Verde é o "fim da linha" na montanha. A rota de São Francisco Xavier não existe mais, a de Camanducaia é divergente do meu destino, não me restou opção senão Sapucaí Mirim - MG (que acabei trocando de última hora para Santo Antônio do Pinhal). A trilha foi através de uma araucária no meio da rodovia de Camanducaia - Monte Verde, conhecido por todos os visitantes da região.

A chuva persistente não me deixou tirar fotos, além do frio que não me permitia paradas. Foi um caminho difícil em meio ao lamaçal, com as caramanholas cheias de barro, bem como meu corpo.

Segui por cerca de 2h30 a trilha, mas o lamaçal realmente atrapalhava o rendimento. Quando atingi cerca de 10% do trajeto, parei num grupo de pessoas reunidas em um pequeno puxadinho de madeira com uma placa "Bar". Era por volta de 11h30 quando peguei informações sobre a tragetória. A notícia fora desanimadora. Estava ainda há 50km/70km do meu destino e o ultimo sinal de civilização seria a fazenda Esperança alguns metros adiante, e depois somente deserto.

Me fizeram o convite para ficar no bar e comer, por conta da casa, porções de trutas preparadas por eles. Não aceitaram que eu pagasse nada, pois era um visitante. Fiquei espantado com a hospitalidade de pessoas tão simples. Foram carinhosos e solidários todo o momento. Depois de dividirmos 2kg de truta no fogão a lenha (a melhor que já comi na minha vida), resolveram trazer mais 2kg para comermos em 6 pessoas. Não deu nem pro cheiro.

"Mestre" apresentando a truta
Um das pessoas, chamado Cláudio, vulgo "Mestre", tem de acordo com suas próprias contas 73 anos. Disse ter tido também 34 e certa vez ele também teve 17. Apesar de tomarem mais cachaça do que eu de água, aceitei o convite para hospedar-me em sua casa. Seria a melhor alternativa pra mim.

O Cláudio, 34, trabalha na lavoura e mora com a mãe, irmão e sobrinha na mesma casa. No mesmo sítio moram o outro irmão e esposa e mais duas irmãs. Pessoas humildes e honestas, me deixaram a vontade para tirar a lama do meu corpo e repolsar algumas horas. Pude desfrutar mais tarde de um delicioso jantar típico da roça - arroz, feijão e sardinha - e prozear um pouco.

Durante a conversa a menina havia comentado que ela morria de vontade de usar um computador. Pra meu espanto, apesar do governo ter investido "não sei quanto" colocando computadores em todas as escolas rurais, a dela nunca havia visto tais máquinas. Disse que havia trazido comigo um computador (este o qual escrevo) e imediatamente quiseram que eu demonstrasse. Pareciam uma pessoa da cidade se aproximando de um bicho estranho. Iam devagar... tinham medo de colocar a mão, como se fossem levar uma mordida. Ficaram maravilhados ao ver o que era capaz de fazer. Foi uma experiência que mexeu comigo.

Apresentei o computador e o celular para a vizinhança e todos olhavam com espanto e admiração, todos tendo ciência da importância que representa conhece-lo e a avidez para tanto. Me comprometi que, após minha viagem, conseguirei doações de equipamentos e ficarei os dias necessários para treinar uma primeira turma de instrutores. É a minha pequena contribuição para a tal da "inclusão digital", que nunca havia realizado seu verdadeiro significado.



Dormi com objetivo de levantar-me antes do amanhecer e seguir viagem. Minha mente está cheia de pensamentos e emoções por desvendar tantas novas experiências em tão poucos dias. Conhecer gente honesta, gentil e prestativa como pude ter nestes dias me deixou realmente admirado. Pessoas que não pensam duas vezes para tirar o pão que carece ao próprio estômago e entrega-lo ao transeunte e ficar plenamente realizado com isso. Cada uma destas pessoas arrumaram lugar em minhas memórias para o resto da vida.


Lamaçal

No dia seguinte, mais frio e chuva para acompanhar. Fiz breves despedidas e segui viagem pela Serra da Mantiqueira. Vir a descobrir no caminho que se tratava de um trajeto para romeiros. O lugar era lindo, mas estava cheio de lama. Em certas subidas, mesmo descendo da bicicleta e empurando não eram suficientes para vencer o chão escorregadio.

Depois do apuro que havia passado na trilha de Joanópolis, estava um pouco mais experiente. Observava os sons por qualquer ruído d'agua e garantira que sede não passaria mais. Nenhuma bica ou acesso ao rio escapava. A maior parte de todo o percurso foi feito a pé e, portanto, demoraria bastante.


Após muitas horas de viagem, cheguei numa pequena parada. Foi o primeiro sinal de civilização que tive. Haviam pessoas na rua e um pequeno bar aberto, onde pude saborear 3 steaks de frango requentados e um guaraná. Aproveitei também para arrumar o pneu furado da minha bicicleta. Não o havia arrumado antes porque não fazia diferença na lama. Lavei toda a bike e lubrifiquei. Saí do lugar com a bicicleta quase ok, exceto pelos problemas de freio que vem apresentando.

A trilha passa pelo alto da serra
Após esta parada, começou a mais bela parte do circuito até agora: a descida das montanhas. Eram cerca de 7km de decida de uma beleza fantástica. Meu celular é incapaz de registrar a maravilha do lugar, é necessário estar lá.

Do alto das montanhas pude ter uma visão fantástica e, por ser descida, pude contemplar calmamente toda a paisagem.

Quando atingi o fim da serra, alguns kilômetros a frente começava a rodovia que conduzia até Santo Antônio do Pinhal. Segui por ela até alcançar a cidade. Consegui uma pousada barata (usada pelos romeiros) e estou passando a noite aqui. Pretendo amanhã levar cedo a bicicleta para revisão e prosseguir até Guaratinguetá.

2 comentários:

  1. Gustavo, boa sorte em sua jornada. Foi um prazer conhecê-lo e ajudá-lo quando em apuros em direção à Monte Verde. As provações que está passando no início são importantes para você se fortificar e acreditar em si mesmo. Tenha fé e confiança que seu esforço será recompensado!
    Boa viagem!
    Alexandre e Débora

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  2. Este é o post que eu comentei com várias pessoas, este esta muito emocionante. Os videos e fotos muito legais.
    FORÇA MEU VÉIO.

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